Martim Francisco de Andrada, quando D. Pedro II ainda era criança, vaticinou:
— Há de ser um digno e útil cidadão. Quando, porém, o Brasil não precisar mais dele, levá-lo-á ao embarcadouro e o despedirá. Os bons hão de chorá-lo, e os maus hão de insultá-lo.
Nos momentos angustiosos da partida para o exílio, D. Pedro II proferiu as seguintes palavras:
— Pois se tudo está perdido, haja calma. Eu não tenho medo do infortúnio!
Na sua viagem para o exílio, ao passar diante da última terra brasileira que veriam, os membros da Família Imperial decidiram enviar um pombo com uma mensagem, assinada por todos. Um criado escolheu um dos pombos mais vigorosos, que lhe pareceu capaz de transpor a distância que os separava da costa. D. Luiz de Orleans e Bragança, que tinha então 11 anos de idade, relatou depois, no livro “Sob o Cruzeiro do Sul”, as suas lembranças do episódio:
“Um pouco além de Cabo Frio – lembro-me como se fosse hoje – meu avô, querendo dar ao Brasil uma prova do seu inalterável amor, fez-nos soltar um pombo, em cujas asas ele próprio havia amarrado uma última mensagem. À vista da terra ainda próxima, a ave largou o vôo; mas um longo cativeiro lhe havia sem dúvida alquebrado as forças. Depois de haver lutado alguns momentos contra o vento, esmoreceu e vimo-lo cair nas ondas”.
O bilhete dizia: Saudades da Pátria.
No dia 2 de dezembro de 1889, o aniversário do Imperador foi comemorado a bordo do navio “Alagoas”, em que viajava para o exílio após a proclamação da República. Ao jantar, a mesa foi ornamentada com flores, gentileza do Comandante Pessoa, que bebeu pela saúde do Imperador. Este respondeu, brindando “à prosperidade do Brasil”. Do seu lugar, a Princesa Isabel levantava também a taça, brindando “ao papai”. Ele replicou:
— Menina! Ouça o meu brinde: À prosperidade do Brasil!
Já na Europa, D. Pedro II teve conhecimento da resolução do Governo Provisório de banir definitivamente a Família Imperial do território brasileiro. Perguntado se não pensava em lançar um manifesto, ele afirmou:
— O meu manifesto será a minha vida.
Ao repórter do “Tempo”, em Lisboa, repetiu:
— Manifesto? Sou eu, enquanto viver. É a minha pessoa. Sou eu próprio.
Ao chegar a Portugal, como exilado, Dom Pedro II ouviu de um jornalista:
— Vossa Majestade aqui não é um proscrito. Todos vos estimamos e respeitamos.
O Conde Afonso Celso narra a visita de condolências que ele e seu pai, o Visconde de Ouro Preto, fizeram a D. Pedro II por ocasião da morte da Imperatriz:
“Era modestíssimo o seu quarto. A um canto, cama desfeita. Em frente, um lavatório comum. No centro, larga mesa coberta de livros e papéis. Um sofá e algumas cadeiras completavam a mobília. Tudo frio, desolado e nu.
Os joelhos envoltos num cobertor ordinário, trajando velho sobretudo, D. Pedro II lia, sentado à mesa, um grande livro, apoiando a cabeça na mão. Ao nos avistar, acenou para que nos aproximássemos. Meu pai curvou-se para beijar-lhe a mão. O Imperador lançou-lhe os braços aos ombros e estreitou-o demoradamente contra o peito. Depois, ordenou que nos sentássemos perto dele. Notei-lhe a funda lividez.
Houve alguns minutos de doloroso silêncio. Sua Majestade o quebrou, apontando para o livro aberto e dizendo com voz cava:
— Eis o que me consola.
— Vossa Majestade é um espírito superior. Achará em si mesmo a força necessária.
D. Pedro não respondeu. Depois de novo silêncio, mostrou-nos o título da obra que estava lendo, uma edição recente da “Divina Comédia”. Então, com estranha vivacidade, pôs-se a falar de literatura, a propósito do livro de Dante Alighieri. Mudando de assunto, discorreu sobre várias matérias, enumerando as curiosidades do Porto, indicando-nos o que, de preferência, deveríamos visitar. Não aludiu uma única vez à Imperatriz. Só ao cabo de meia hora, quando nos retirávamos, observou baixinho:
— A câmara mortuária é aqui ao lado. Amanhã, às 8 horas, há missa de corpo presente.
Saímos. No corredor, verifiquei que o meu chapéu havia caído à entrada do aposento imperial. Voltei para apanhá-lo. Pela porta entreaberta, presenciei cena tocantíssima: ocultando o rosto com as mãos magras e pálidas, o Imperador chorava. Por entre os dedos escorriam-lhe as lágrimas, que caíam sobre as estrofes de Dante.
(Leon Beaugeste – FATOS DO BRASIL IMPÉRIO)